sexta-feira, julho 14, 2006

crônica nº3 - Um pouco de cada coisa soma um tanto ou a história da cobra que queria voar

O que difere, penso eu, não é escrever meia linha ou linha toda. Não é dizer "abracadabra" a cada ponto ou dois. Não é escrever a toda hora, vomitar de uma vez a história inteira. Escrever está para mim tal como uma fobia. Sim, leu certo, acho que tenho medo de sentir todas as coisas. Ler tudo que escrevo assim de repente; na cara, na coragem e no sufoco, me dá medo, sabes. E dissimular, fingir, não está previsto por ora.
Há momentos que gostaria de escrever um livro em pé. Coisa fina; prefácio, posfácio e o diabo. Mas sabe, me falta calma. Não tenho tanta letra assim. Fico no conto das 40 linhas mesmo. Por enquanto, pois parece óbvio, à medida que cada palavra vem, um novo e melhor escritor se forme. Não teço este texto por desabafo; não o faço por sofreguidão. Tudo isso é introdução e você ainda não leu nada.
Por volta do quarto ano, 9 ou 10 anos de idade, suspeito que tenha sido a grande virada da minha vida - mudei do nada, Peguei gosto pela escrita numa redação solicitada pela professora de português. Escrevi, então, "a história da cobra que queria voar". Ganhei um dez e a teacher, ingênua que só, nem percebeu que tratava-se de um plágio flagrante. o enredo é velho, mas teci da minha forma e do meu jeito - há algum mérito. E nada como um dez, não? A perfeição suprema, o impecável. Juntando-se a esse caso, ganhei poucas notas dez ao longo destes anos de vivência; os cinco dedos da minha mão direita cumpriria o papel de contá-los. Nunca fui - e se não inventarem o remédio anti-erro em tempo de me verem curado - serei sempre este imperfeito incorrigível.
Sempre me pego olhando as pessoas a quem devo compartilhar o ar, dia após dia, no trabalho. Umas quase patéticas, bufonas de dar dó. Coloco sempre ênfase demasiada quando decido falar de trabalho e explico o porquê: não falo daquela coisa prazerosa, viver dá trabalho também, tudo dá trabalho. Mas o termo trabalho condiciona também o "bater cartão"; o "ligar pra lá’;a hora do almoço na ponta do cronômetro; a cultura da motivação, canalha por si só. Trabalho inventou uma doença: a frigidez. O homem, mesmo tendo próstata passou a ser frio. Assim, pensam, ele não erra. E a mulher que vejo agora, usando aqueles terninhos de brechó, tapou com rolha de cidra cereser a champagne francesa do sorriso. Ainda se fosse uma cara amarrada por protesto. Não é, te garanto. O ato de sorrir possui mil lados, muitos antagônicos. Pode tornar-se uma arma ironica, uma manifestação de desprezo. Desculpe, mas enquanto existir o capitalista, a gargalhada soberba se travestirá em arma.
Ninguém erra aqui no mundo dos loucos, apenas eu e tenho dito. O erro, o prazer de dizer "me desculpa", deixou de existir após completar meus 11 anos. Com dezessete, época em que comecei a trabalhar, aprendi que errar pode se tornar um auto-atentado de terror ou coisa que o valha. Outra coisa também: tornou-se frente aos meus olhos o mecanismo de coerção mais pussilânime , mais nazista que tive que enfrentar. Me entrego: não gosto mais de futebol - fui há tempos atrás um grande fanático -,porém, cabe comentar hoje de forma sóbria e relacionar o que digo aqui com o caso da expulsão do jogador Zidane na final da copa do mundo na Alemanha. Observe como um erro, no fim de seu último ato como futebolista, serviu para que todos esquecam do gênio que foi com a bola nos pés. O mundo só vê a mancha.
São quantas linhas mesmo? Disse quarenta, não? Sinto que irei extrapolar minha cota. Se bem que essa crônica do dia a dia está começando a transformar-se em memórias de uma vida toda. Gosto de revirar gavetas, inclusive as da minha cabeça. Me apegar a coisa velha, esquecida. Só que assim: tenho apenas vinte quilos alcatra por trás dos dentes; sou um jovem mancebo! Assim como Arnaldo Baptista perguntou um dia "será que vou virar bolor?", faço o mesmo, modificando um tantinho assim: será que eu já virei bolor? Me vem a cabeça aquela mulher do curso de inglês. Estava interessado em ter aulas de inglês - fui então para a escolinha mais próxima. Lá, ao ser consultado sobre minha idade, respondi, firme como um prego - vinte. Ela achou que eu tivesse mais- sei lá - uns trinta. Me senti o mais velho por trás daquela gravata - o mais velho do bairro.
Volto àquela professorinha, a Malú da quarta série que me brindou com um dez. Como queria crescer rápido; e andar de carro; e namorar às da sétima! Tinha em mim uma ânsia claustrofóbica, nem sei, era uma espécie de lagarta no casulo, saindo, saindo...Falando de sorriso, lembro do jeito da Malú: falava sorrindo de um modo todo ordinariozinho. Até para dar bronca. Era a mesma no começo e no fim do mês, (pergunto eu: será que menstruava?). Soube montar meu cartaz perante a classe, lembro bem das palavras – que texto lindo, Michell! Que engodo, isso sim!. Modifico minha descrição. Malú tinha um rasgo na cara, feito por Picasso em duas pinceladas. Mas era uma figura colorida, tal como num filme de Almodóvar.
E lá se vão nove anos, não? Logo, logo vem mais um ano a somar. Comemoro? Compro bombons?E você, merece meu bombom? O que me diz mesquinho! Avaro! Escreva na testa, “eu quero um bombom de Michell Niero”, assim eu darei. Afinal, faço vinte um na curva do mês que vem. E desde já engula teu desejo de felicidades,ou melhor, guarde embaixo da língua para dissolver aos poucos e morreres sofrendo. Mas não, não redundes mais, não requente no microondas o velho clichê.

E a tia lá da escolinha, será que ela menstruava mesmo?

2 comentários:

Anônimo disse...

O Michell!
Estava visitando bloggers e encontrei o seu. Gostei muito do que vc escreveu e do que vc escreve!
Parabéns!
A foto do seu "about me" também está legal!
Bjos
Nanda

Anônimo disse...

Meu querido... que desembuchada geral hein?, mas muito inteligente. Esse texto é fruto do seu inferno astral. Aproveite para extrair outros tesouros das gavetas esquecidas...
Abraço.