sexta-feira, agosto 18, 2006

crônica nº 5 - o que você fez aos oito e o que será aos oitenta


Todo entendido de América latina, de Belchior a Fidel Castro, sabe o quanto a Europa colaborou para o enfraquecimento político e econômico do continente. Não falo de embargos, de risco Brasil, nada disso. Vamos ser práticos e pôr a mão na massa. Lá atrás, na época pré-renascentista da história do mundo, como bem sabe, ocorreu um verdadeiro genocídio com os povos que habitavam boa parte deste continente. Lá se foram incas, astecas, enfim, povos cuja sólida formação sociocultural permitiriam uma visão diferente de América nestes tempos de hoje - mas a briga de bala não deixou. Transcendo então, na verdade não foi a Europa a causadora: o poder, que também significa ter um território cercado na aba do cotovelo; sim essa velha premissa do ser humano em impor valor nas coisas desqualificou a qualidade de existir das pessoas e as condicionaram ao tamanho das posses que têm, um vinculo comum a todos que tornou se símbolo de sucesso neste planeta. E a América sempre foi um dos celeiros de exploração preferidos da Europa.

E dos poucos que tiveram uma revolução guardada nos dentes, gente que quis dar basta a essa desigualdade afinal, menos ainda foram o que souberam pôr o peito em riste a uma multidão de tanques - e entenda este último termo no sentido literal e figurado da palavra. Pois é: Fidel, o velho de barba e charuto, o cubano que pediu uns mísseis à URSS para chamar os EUA na chincha está prestes a ir embora para não mais voltar. Não o defendo muito também: sabemos que o socialismo cubano é na realidade uma grande ditadura, forma de governo que condicionou uma série de devassidões contra os direitos humanos do povo cubano. Mas verdade seja dita, apesar dos hectares de terra estranhamente adquiridos nas cercanias de Havana em seu legado, o velho homem sobreviveu mesmo tendo o planeta ao seu redor sem cooperar. Sim, sem nenhuma ajuda, amigos muitos, o apoio comunista da URSS e só. E a Cuba da esquerda radical brasiliera – sabemos - é bem diferente da realidade. Não é a utopia de Thomas More e ninguém vive das potencialidades que Rosseau pregava. Ora, mas em muitos daqueles carrões que circulam em Havana existem pessoas com saúde e educação de qualidade – pouca coisa, diriam alguns. Com tão poucos recursos ninguém na história do mundo fez tanto. Além de peitar os EUA, Fidel Castro construiu uma base sólida de bem estar social por um bom tempo. Hoje em dia, pedra mole e água dura, o sistema já demonstra caduquices e sinais tórridos das seqüelas do embargo econômico.

Mas gosto de elogiá-lo, sabes. O punho do homem nunca se abriu para a vedete capitalista, e é difícil resistir com ternura por tanto tempo. Veja, por exemplo, o quanto é volúvel o brasileiro no trato com o dinheiro; vejo por aí as escolhas profissionais de quem procura uma faculdade que nem sempre se estabelecem numa relação de talento, e quase sempre, visam um futuro acumulo de dinheiro oriundo de boas remunerações que a carreira pode oferecer. Pois eu estou aqui, firme como Fidel, dissertando, ofício este que tenho como o mais precioso dentre os que pude adquirir habilidade. No mercado de trabalho de hoje, pouco se valoriza o jornalista; o tratam como o minério em abundância – ferro, aço: têm muito, há jornalistas em todos os cantos é verdade, são tão úteis quanto a viga da tua casa e pagam pouco, muito pouco por isto. É certo que querem superestimar o diploma de jornalismo; há tempos atrás, lembro, a discussão em pauta era outra: a não obrigatoriedade desse mesmo diploma. E veja agora o que isto se tornou. É como obrigar o velho Fidel, na bacia das almas, a freqüentar aulas de relações internacionais.

Fidel talvez teria sido um boçal desses de babar na gravata se decidisse ir além da sua formação de advogado. Poderia aprender a negociar com quem não se deve negociar, enfiaria o dedo na tomada, abriria uma concessão aqui, outra ali, encurtaria seus discursos quilométricos e explodiria todo o plano revolucionário. Assim como Lula: a cada palavra nova que aprende, se esquece de tantas outras quimeras que um dia sonhou em realizar. E se Evo Morález, um abastado da massa pobre latino americana, de história semelhante à Lula, deu uma aula de soberania ao devolver à Bolívia o rico solo petrolífero explorado pela Petrobrás, muito deveríamos esperar dos jornalistas que nascem todos os dias do ventre da sociedade que precisam do aval da aristocracia acadêmica para terem validado seus talentos. Por que não fazer o mesmo com as vagas ocupadas por gente que precisa de um diploma na mão para justificar a profissão? Toma, ora! Assim como Marcelo Rubens Paiva que pendurou seu bacharelado em jornalismo no banheiro, farei o mesmo ao ocupar o pódio profissional a que julgo ter direito no futuro. Lembro dos doze, treze anos, época que decidi por esta carreira. A coisa nasce com a gente, não adianta: Fidel Castro, ainda com dez anos de idade, enviou uma carta ao presidente Roosevelt pedindo 10 dólares; Nelson Rodrigues, aos oito, ganhou um concurso de redação na classe escrevendo a história de um marido traído. E você que me lê? Além de ter um diploma, o que você fez aos oito e o que será aos oitenta?