quarta-feira, junho 28, 2006

CITTÀ PIU BELLA





Por Cadão Volpato e Thomas Pappon
(Canção gravada pelo Fellini para o álbum "amor louco", de 1989)

a mais longa noite do mais
branco dia
per una città piu bella

a sombra o bonde a
janela aberta
per una cittá piu bella

o padre voa numa bicicleta
per una città piu bella

a garça na ilhota do rio tietê
per una città piu bella

città piu bella

edifícios velhos sendo
construídos
per una città piu bella

você passa ao largo dos
escrementos
per una città piu bella

o vento descobre ouro nos
calçamentos
per una città piu bella

morte ao prefeito por
enforcamento
per una città piu bella

città piu bella

a gente se encontra atrás
do cemitério
per una città piu bella

um tiro de cuspe do seu bairro
ao centro
per una città piu bella

a estrela vermelha ouve o meu
lamento per una città piu bella?

jogando bilhar na venda
de u galego
per una città piu bella


Sobre a foto: Vista externa da estação Júlio Prestes, em São Paulo, tirada por mim em idos do mês de junho de 2006.

terça-feira, junho 27, 2006

camera subjetiva, o poema

Minha idéia de hoje é mais ou menos essa. Momento baixos teores de uma terça-feira pela manhã.

Veja se não é bolero
Esse seu rasgo estúpido
Olhe para mim oras!
De sorrisinhos, já basta!
Chega, saiba:
já extrapolou o clichê


Coloca agora
Nas pressas de teu súbito
A vontade de me ver, de me ter
E vício também é vontade
Então vicia e roda a roleta!
E distribui os valetes!


Venha,
meu rosto não tem prefácios
Passa da capa e veja-me
Escuta-me, leia-me
Uma imensidão de acasos
Tudo junto,
formo o que chamo
de uma multidão chamada EU


Morto não ressucita
A virgem se desabrocha
Não rebobino fitas
Nem vem
Nem corto em fatias
Nem em cubinhos,
engula seco, diabo!
Ofereço-te o meu jeito
Minha vida
e minha forma de comtemplar
A camera subjetiva da vida.

Tauromaquia



















Neste filme de Almodóvar (1986 foi um ano fácil para ele), o sexo, a tourada e a morte. Entrelaços atuantes que se unem a Madrid – a sempre Madrid de seus filmes –, e a um surpreendente Antonio Banderas em início de carreira. Matador é um dos melhores filmes do cineasta - na opinião deste que escreve, o melhor. Além de ter todas as marcas Almodovorianas; batom vermelho, muito vermelho, gente vivendo pelos passos do dia-a-dia, destinos que se encontram, a velha - sempre nova - birra com a igreja católica, a busca pela sensibilidade masculina, Matador consegue ser isso e mais um pouco.
A obra precede o boom em “mulheres a beira de um ataque de nervos”, de 1988, cine que o levou para os holofotes. Este, no entanto, procura uma pretensão de filme inglês, fala mais baixinho que os de hoje. E funciona, porque não. É meio suspense, trama fragmentada como sempre são os filmes dele; um junta aqui, coloca ali.
Angel, um aprendiz na arte de tourear e integrante de uma conservadora família católica, é acusado pela morte precedida por estupro de quatro mulheres. Pior é: ele confessa e diz “fui eu”. Houve sim um motivo. Ele de fato tenta estuprar a mulher de seu professor, numa suposta tentativa de auto-afirmação de sua masculinidade em xeque. Entre ser levado a uma psicóloga (vontade de Angel) e recorrer à ajuda de um padre, a família fica com a segunda. Eis aí o primeiro mote que cerceia o destino da personagem. O jovem toureador sente um remorso trágico ao deparar-se com a frieza do padre e se entrega à delegacia mais próxima.
Aparece uma advogada, bem intencionada parece, predispondo a defendê-lo neste processo. Ocorre o primeiro encontro casual (mais para causal, assista e comprove) em Matador. Do outro lado está o professor de Angel, famoso na arte da Tauromaquia, chamado Diego. Numa dessas, encontra a advogada – Maria é o nome dela. Um tórrido caso de paixão floresce. O fascínio pela morte, comum entre ambos, mistura-se com o torpe desejo pelo sexo. O amor, do outro lado, abraça-se na figura da traída. Não ligando para o ato, a esposa de Diego tenta de todas as formas a reconquista, mesmo sabendo da existência de uma outra na sua vida.
Curiosa é a participação do próprio cineasta atuando. Ele faz uma ponta inédita assumindo um estilista, cheio de recalques, cuidando da produção do desfile da mulher traída, que é modelo de profissão.
Entenda Matador como um Almodóvar que procura dilacerar todas as influências da pátria mãe. Busca acenar para conexões censuradas dentro da cultura espanhola: Tourada, paixão, sexo e morte. Em contrapartida, traz também o eco conservador que domina este povo. Tal como um Nelson Rodrigues – aliás, se pode fazer muitas conexões entre as obras dos dois -, recorre a família conservadora, guiada pela religião. Busca nisso a derradeira verdade: a burra aparência. E por fim, a figuração do machismo latino, aquele machismo que ataca o próprio homem em busca de identidade. O sensível e o cru; o branco e o vermelho; o amor e a morte, visto ao mesmo tempo às vezes. Pedro Almodóvar fez de Matador um dicionário deliciosamente paradoxal. Pois é, seja assim: porque devemos ser tão fáceis de entender, afinal?


Assistido no dia 24/06 do ano de 2006

segunda-feira, junho 26, 2006

Telematique around the clock

Minha cria eletrônica: TELEMATIQUE
Abaixo, a mais nova canção, intitulada "Casiotone sessions"











http://rapidshare.de/files/24225517/Telematique_-_casiotone_sessions.rar.html
Ouça. pule, opine e se divirta.

quinta-feira, junho 22, 2006


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

"Versos íntimos", do fantástico Augusto dos Anjos. Um dos mais belos poemas já escritos em língua portuguesa.
Foto tirada por mim na estação da Lapa em São paulo, dia 20/06.

terça-feira, junho 20, 2006

crônica nº1 - Loja de prateleiras

Nunca, ninguém – repito - nunca ninguém me viu chorando pelos cantos, amolecido pela circunstância. Faça o meu favor! Prefiro o ócio! Ao contrário de uns por aí. Bom, vamos aos fatos, odeio gente, e a falta delas também. Confesso que nunca esqueci dos tropeços de certas pessoas, - e nem dos teus, humano infame que me lê! Começo grosseiro, hediondo, taciturno, pois iniciarei o improviso de palavras desta hora. Estas tentam fugir, mas eu as puxo; vá lá, perder uma história destas? Não posso, e sendo odioso facilita as coisas.
Lá pelo instante máximo: tarde de Sol, clima ameno, céu azul. Junto a essa amostra perfeita há o que penso. Tenho uma garota na cabeça, confesso (que não é a de agora). Visto, após minha perda nas apostas, um cérebro humilde. Penso em planos miúdos, prateleiras, porque não? Colocaria, assim, meu habitual exposto num quarto: livros, discos, filmes, ótimo. Hábito é o fim medicinal de uma droga chamada rotina.
Acontece que nesta ocasião, sedento por motivação, ouriçado pelo trabalho que não age bem em mim (estou de saco cheio, imagine), penso em ouriçar meu tino para o consumo. Fiz assim: fui até a loja grande – vende de tudo, tem que ver -, assumi o carrinho de supermercado e adentrei-me. Lá pelas tantas, seis horas no relógio, estava lá eu, um boçal comigo mesmo. Explico-lhe, com muita satisfação até, o porquê desta auto-ofensa lá na frente.
Comando o carrinho com o rigor de um velho. Lembro da infância, de quando acompanhava meus pais nas compras. Antes era mais vigor do que rigor, isso é certo. O carrinho do mês sempre tinha minhas bolachas, um arroz - sempre – e o café. O resto, bem, variava de acordo com o humor e o dinheiro, sempre escasso. Mas era bom, digo até mais, estimulante aquele cursinho capitalista. Talvez, sem este estimulo lá no passado, não estaria jovem rapaz, Karl Marx ao contrário, dentro desta grande loja, comandando um magrelo e vazio carrinho de supermercado. Eram seis da tarde, sublinho isto, pois pense comigo: na TV, nos sete canais abertos que consigo sintonizar em casa, nada; nas salas de cinema; nos amigos; nas aulas da faculdade; nos professores que não gritavam meu nome na chamada; então, não tinha mesmo o que fazer. Era muito prematuro também aceitar a morte, e minha camisa social está molhada de suor, faz Sol, (falo no presente pois imagino tudo como num delírio, tudo aconteceu “hace tiempo!”).
Como saber que não estava num necrotério? Difícil. Sinto estar num grande vácuo. A cada passagem, por entre estantes, grandes aglomerados de material para construção – tudo aquilo cujo minhas posses e minhas ausências sintomáticas de planos e bem me queres não permitiam -, dizem a mim “saia daqui homem!”. Na trilha, música de fundo, uma Alpha Fm que me fazia triste por ora - arquitetava a ação do choro ou coisa que o valha. Mas não. Fui para lá e para cá, sem muito interesse naqueles artigos. Os velhinhos, agora vejo aonde fui me meter -, eu estava num baita programa destinado à terceira idade do meu bairro E eu, ora, um jovem de 19 quilos de alcatra... O sentimento abjeto me desce: agora e de uma vez.
Esfrego os olhos como se visse uma miragem. Veja homem, aonde você foi se meter! Não creio, não creio, mas estou ainda procurando prateleiras. E quanto mais ando, quanto mais seções passam, o carrinho range um som de masmorra. Estou perto da lastima de se sentir assim, um alvo móvel da morte. Parênteses: aquela agora, menina tão bela e erudita, tão bem lá longe; quem diria, hoje mudou tudo. Que coisa mais gozada. Mas voltando a história, não sei se choro, estou mais para o grito que para o urro. E não gritarei. Não sei, mas visto de longe, assim, num close final de filme noir, um aspecto velho não? Sinto-me um asmático. Envergo a postura como quem carrega um peso. Não há, claro, nada visível acima de minha nuca. Seja simbólico – eu mesmo me convenço disto -, tudo bem. Isto é certo: carrego a tonelada dos dias, dos fracassos e de um bocado de injúrias. Quantas léguas andei, nem sei. Vem um – sempre vêm – e me diz. Tu sofres do mal da inoperância rapaz – não digo nada. Aquilo entra, palavra, insulto, que seja; passo a ser um conduzido por esta reflexão vil. Mas se tudo dá certo hoje - muita coisa mudou, repito -, penso em agradecer primeiramente aos meus pés e não aos conselhos. Meus pés e minhas pernas deixaram-me ereto aos fatos. Imagine só, um orangotango escritor de resenhas, o que seria? Hoje, tenho orgulho de fora para dentro; sou jornalista de meios extremos; um calhorda de próprio rascunho.
Nesta ocasião tive a reflexão no chiado das rodas de um carrinho de supermercado. Elas sempre fazem barulho, sabia disto? O desagradável só vem à tona quando não há gente murmurando ao seu lado num supermercado cheio, daqueles de dia 05, sabes? Ouvi atento o som neste dia. Me vi sozinho demais. Pensei certo, concluo. Instalar uma vivência sozinha funciona, sim, não há nada de inviável nisso. Mas sabe, pensei bem; se estivesse com alguém no meu certame, ali, ao meu lado nesta hora, teria tido uma tarde feliz. As prateleiras estariam penduradas em minha parede, carregando histórias, músicas e cenas – como queria afinal de contas. E lembro, era fim de março – não sei bem ao certo, mas era. Fui embora fugido de mim mesmo. Não era para ter sido um rasgo do destino assim tão drástico. Rasguei meu caminho em dois e optei pela via nova. E foi bom, pois, noutro dia, num daqueles muitos sem ter o que comemorar, aquele homem, que era eu, cheio de receio, enviou um flerte sem querer. E ela, sem saber, mudou a história do homem. O caminho que transformei em dois, em pouco tempo viu-se rompido em quatro passagens diferentes. Escolhi uma delas e aqui estou.
Não ouço mais o trilhar das rodas do carrinho. Prometi a mim mesmo não entrar mais na grande loja. Acho que é blefe, (logo, logo estarei lá). Aquele plano excêntrico de comprar prateleiras ainda resiste. Tenho mais coisas: registros, retratos para serem colocados à exibição em meu quarto. Prateleira, essa tábua infame!. Me sinto bem; escrevo na madrugada perto de meus 21 e tenho um alguém ao meu lado falando pelos cotovelos, evitando, inclusive, o ranger do carrinho no chão da loja. Mil léguas depois e olha só quem pregou peças. Memória amiga, nada mais de efemérides por hoje.
Fecho o livro.

Um escritor de palavras cruzadas

Atimo

Não busco o tino prático
A verve óbvia, de estalo ameno
Estaria assim retido
No fosso, no quarto, no raso
Encuco e crio pragas
De anti-menos, anti-pouco

Prefiro a face esdrúxula
E comparar a Lua
A fase humana do ser instante
Eu crio, cito palavras
Veja a volta que dá!
E mesmo em cólera
Com voz de espada
Encharco os olhos
Respinga o medo, mas não molha
O ato não desanda assim com gotas
A palavra vem, contínua, a mão concede
E a vida sem falar parece conto

Ode aos vigários espertos!

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