quinta-feira, julho 27, 2006

Crônica nº 04 - “Você é filho de Maria Antonieta?”.

Penso em criar um alter ego. Chega de mim – desabafo. Estou encarando muito de frente este meu "eu" que não me aprova - isso me judia de certa forma, não dá para negar. Preciso, para isso, de um nome curto, cujo rasgo sonoro dos fonemas atinja o ouvido de bate e pronto, (espirre aí para ver se me vem algo, vamos! ) Aliás, quase sempre, via de regra, os escritores , os bons, aqueles que fogem da mediocridade fordista de um Paulo Coelho por exemplo , criam personagens à sua imagem e semelhança, e quando não são, observam seus habitats tal como num ritual diário .Pinçam bons sujeitos do mundo real e os transformam em história. A vida é o grande laboratório para a arte. E o inverso também vale.
Fixo então na frase que Manoel Carlos, famoso escritor de novas da Rede Globo, comentou em recente entrevista à revista Imprensa: "a vida é um grande clichê e não há como fugir disso''. Penso eu que durante esses meus 20 anos de dias normais consegui experiências suficientes para dar risada desta afirmação.
Visto assim de cima, de um Joelma ou Andraus, até parece um clichê; sempre um clichê prestes a ser incendiado. Imagino que ao coçar a sua barba de Spielberg, Maneco tentou justificar a repetição que há em suas histórias tomando como base algum conceito antropológico. Há o que chamamos de regras simbólicas: convenções presentes no senso comum de um povo que estabelecem uma forma de conduta. Mas isso definitivamente não torna a vida um clichê. Visto mais de cima ainda, numa visão de Atlas, percebemos que há algumas culturas semelhantes; gente que se junta pelas afinidades e pelas prenoções em comum. Mas a vida que tenho aqui, por exemplo, é inveropraticável (essa palavra foi eu que inventei) do outro lado do globo. Logo, a tese do novelista cai por terra pois no lá longe a vida é outra - nem melhor, nem pior e se quer diferente. É vida e esse termo, a palavra em si, justifica. O que ele procura mostrar há tempos no horário das oito é uma fotografia da classe média, uma fatia do bolo e só. Pois sabemos: convém a Globo retratar essa visão fantasiosa da realidade e tachá-la como clichê, manter no mais alto pódio a aristocracia verde e amarela. E digo mais: confio mais nas traídas de Nelson Rodrigues, nos bêbados de Bukowski e nos loucos de Dostoievski. A vida torna-se um pasmo clichê se observada por gente que tende a levá-la como tal.
Veja como as coisas podem se tornar diferentes. Imagine uma rotina rígida, massificada (esta é a minha). Acordar, trabalhar, comer, estudar e dormir - tudo na ponta do lápis. Ocorre, no entanto, que num dia desses um fato modificou a linha reta - em especial - uma linha reta e íngreme, a rua inclinada para cima que percorro todos os dias para trabalhar. Observado ali por uma senhora, dia após dia, uma senhora já com seus 45 anos presumo, decidiu me perguntar. Eu ouvia música em meus fones, tirei-os para ouvi-la melhor.. Aguardei a pergunta e ela veio: - você é o filho de Maria Antonieta? Ela complementou: - é que eu sempre vejo você passando por aqui e hoje eu resolvi perguntar - fiquei estagnado por alguns milésimos. Eu, após uma pasmaceira, disse que não e montei um sorrisinho de emergência, sem graça como um risco de lápis. Ela me afirmou que eu parecia muito com a dita senhora. Deu-me um tapinha nas costas e um envergonhado "desculpa". Seguimos adiante, cada um para o seu lado.
A vida não é um clichê - para o bem e para o mal. Teima na mente uma imagem que vi certo dia; uma família revirando o lixo da rua e a criança, um crioulinho raquítico de uns oito anos, gritando e se debatendo. Havia algum inseto lá no meio - não sei - que o machucou. Mas parecia ferida na alma, doía até em mim. Escatológico este nosso cotidiano, não? Nunca verei isto em novela, em filmete em cartaz, em nada. Vi e presenciei no mundo real, no plano da vida (mas continuo amando o cinismo do cinema).
A transgressão é a gasolina da novela; é o que choca, chama atenção e, consequentemente rende dinheiro e retorno aos patrocinadores. Este talvez seja o verdadeiro clichê: a persistência cega no que choca e no que gera lucro, aliada ao polimento comportamental que a classe média quer aparentar e ver . Sim, uma versão similar da vida, cuja encenação não provoque vômitos e gente tapando os olhos. Há pessoas - conheço várias - que tapam os olhos para o desagradável da vida. Bestas são, pois pense no quanto é rico esse botequim cheio de diversidades que é o nosso cotidiano. Como disse anteriormente, o mundo só vê a mancha.
Entrego os pontos, gostaria de morar em Londres, confesso - toda aquela ambientação inglesa, uma certa arrogância até, as culturas, a música, o mizancene, enfim. Abriria mão de muita coisa me proponho apenas a tolerar por esses lados. Mas não se trata de fuga, e sim, de melhora. Pois veja: o artista não deve se sentir feliz com o primeiro rascunho que faz. Este deve melhorar, pincelar aqui e acolá, viver para viver mais e melhor. E, ao partir para o lado de lá, perderei muita coisa por estes lados que lá não existirão. Coisas que gosto - o Brasil não é de todo um Jiló. Vida é, também, uma arte própria de inúmeras possibilidades.
E porque penso em criar um alter ego? Prova feita: por que posso assim, inclusive, livrar-me de meus próprios clichês e ser outro - a imaginação permite! Uma outra vida para outro ser. Serei então o filho de Maria Antonieta que nunca fui e me chamarei pela alcova de Asterisco. Posso? Posso! E eu aqui, posso viver para dar histórias ao Asterisco. Sem medo e sem Pedro, como diz o ditado. Oscar Wilde em um de seus ensaios fez a seguinte colocação "o que é verdadeiro para a arte, é verdadeiro para a vida ". Sinto que isto está certo. Não haverá paredes para a criação humana enquanto houver vida humana. A arte é a cura para vida; uma cura que pode ter a tragicidade de um homem só e a felicidade de um garanhão de porta de boate.



 

segunda-feira, julho 24, 2006

Psicodelia urbano-panfletária



Música, definitivamente, não nasceu para ser um panfleto de protesto. Aliás, reformulemos esta colocação: seres humanos não sabem protestar. Não neste regime que nos cerceia; não nesta cultura que nos controla. O protesto, assim sendo, é uma veia morta que todos nós temos. Mesmo assim, para o deleite de alguns velhos de fraque, sempre existirão teimosos com ranso e criatividade suficientes para transgredir uma época. Tom Zé em sua mocidade tropicalista de 1968 concebeu esta obra, Grande liquidação, e transgrediu uma época. Há uma frase - desconheço a autoria (será minha?) - que diz "quem é marxista aos 20 é um jovem, aos 40, um louco". Não sei se é verdade, não sei se é mentira; tanto faz, a discussão que paira por aqui é outra. O fato é que o musico nordestino - o mais paulistano dos nordestinos - aliado à ideologia da tropicália, transcendeu um momento chave da história de nosso pais.
E como se transcende algo? Transgredindo? Também. Pensar no Brasil de 68, ano de AI - 5 e censura total à mídia e aos meios de imprensa, é transgredir, Qualquer ato digno nesta época é uma afronta ao sistema de regras. Pensemos então dessa forma. Seria este disco um libelo ao marxismo? Não há odes de exaltação a Karl Marx, deixe essa idéia de lado. Há uma essência toda irônica contra o consumista logo no título do álbum. E esse sentimento vive no decorrer das faixas. Em "curso intensivo de boas maneiras", Tom Zé, num sarcasmo genial, dá a receita para se dar bem no plano cultural capitalista. Em "Não Buzine Que Eu Estou Paquerando " , música que trata o homem de negócios como um estorvo a uma paixão de meio de rua, o cantor trata também da relação de dinheiro entre a indústria farmacêutica e as epidemias de saúde presentes nesses novos tempos com um sambinha que diz assim: "A sua grande loja/Vai vender à mão farta/Doença terça-feira/E o remédio na quarta. ". Sim, de uma atemporalidade magnífica.
Falemos de musicalidade. Poucas pessoas percebem, nunca ouvi ninguém se atentar a isto. O disco traz uma carga tremenda de psicodelia. Cabe, inclusive, fazer aqui abrir uns parênteses. Psicodelia nem sempre está relacionada ao uso de drogas. Pode até ser que Tom Zé tenha dado um "tapa na moleca" naqueles tempos de flower power, mas isso não influiu na construção sonora das musicas. A palavra, tão somente o verbete cru do dicionário, nos transmite pelo menos duas idéias interessantes que muito dizem respeito ao artista Tom Zé. O Aurélio sugere: “Diz-se daquilo ou daquele que se distingue do meio tradicional, ou pela decoração, ou pela atitude, ou pela maquilagem, ou pela roupa, etc "e “relativo a, ou que se caracteriza por alucinações visuais, aumento de percepção e, eventualmente, comportamento parecido com o observado em psicoses.”
Quando digo que este álbum tem uma orientação psicodélica, justifico também dando vazão aos arranjos maravilhosos e incrivelmente inspirados de Damiano Cozella (o mesmo dos arranjos da fase psicodélica de Ronnie Von) e Sandino Hohagen. Vale mencionar também as duas bandas de apoio presentes neste disco. Os Brazões, excelente banda de sonoridade tropicalista cujo primeiro e único álbum também data 1968, e os desconhecidos – pelo menos para este que escreve - Os Versáteis. Não só isso. Tem algo que é de grande mérito da tropicália. Falo da constante mudança de andamentos e formações melódicas que quase desnorteiam o ouvinte - vemos bastante isto na riqueza sonora dos Mutantes. Difícil é saber quem influenciou quem. Há um elo de ligação muito tênue entre o debut da banda da Pompéia e do músico baiano. Identifico-os como filhos de um mesmo parto. Por exemplo: os versos "Meu sangue é de gasolina/correndo não tenho mágoa/meu peito é de sal de frutas/fervendo num copo d'água", presente no clássico mutante "2001", foi retirada de " ". Tom Zé pode, pois apenas migrou um petardo poético para outra musica, também de sua autoria, utilizando outro apelo. Em contrapartida, outra parceria envolvendo os dois nomes acabou sendo posta como retribuição num álbum de Tom em 1970. Trata-se de “qualquer bobagem”, grande música gravada anteriormente pelos cinco paulistanos um ano antes.
E aquele jeito alucinado de mendigo da Sé, marcante na forma de se portar do velho baiano - o mais paulista dos baianos, repito -. sempre comove. E o amor escancarado por São Paulo está evidente em músicas como "São são Paulo", faixa de abertura do disco e que ganhou o IV Festival Record de MPB de 1968. Na realidade, este retirante tem sim uma fascinação pelo urbano, pelo concreto cinza. Lembra assim, de soslaio, aquele troço que Adoniran Barbosa, celebre sambista, e que o Fellini, grande banda da cena paulistana dos anos 80, têm que até hoje eu não consigo copiar.
E na verdade, o que temos neste Grande liquidação é um rabisco da personalidade do criador - não é tipo. É, sim, uma inconveniência solicita comprovada na história contada antes do primeiro acorde de "Camelô" "danado pode dizê em disco, num pode?" - pergunta Tom Zé cinicamente aos censores da ditadura. Caetano e Gil não conseguem mais ser o que eram, Estes hoje usam fraque, foram corrompidos pelo poder e pelos bons cachês. O protesto é a veia morta dos homens. Para alguns outros - vejo assim - é a veia cômica, o motor sarcástico que sabe ferir a quem deve. E Tom Zé, um performático da arte, nunca fez de seu protesto uma porta de banheiro.


Não costumo dar presentes. Aproveite meu bom humor:
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Versinho meio apressado

Gosto da transgressão que vem dos lábios
Sugiro mais desta prece, que me fere
E quando vejo tua imagem
Acontece, sei lá, três febres


Tá bom, necessito e nem sei
Aconteço em tua prosa
E nem falei no tal do amor!

Note ao menos, poxa! 

sexta-feira, julho 14, 2006

crônica nº3 - Um pouco de cada coisa soma um tanto ou a história da cobra que queria voar

O que difere, penso eu, não é escrever meia linha ou linha toda. Não é dizer "abracadabra" a cada ponto ou dois. Não é escrever a toda hora, vomitar de uma vez a história inteira. Escrever está para mim tal como uma fobia. Sim, leu certo, acho que tenho medo de sentir todas as coisas. Ler tudo que escrevo assim de repente; na cara, na coragem e no sufoco, me dá medo, sabes. E dissimular, fingir, não está previsto por ora.
Há momentos que gostaria de escrever um livro em pé. Coisa fina; prefácio, posfácio e o diabo. Mas sabe, me falta calma. Não tenho tanta letra assim. Fico no conto das 40 linhas mesmo. Por enquanto, pois parece óbvio, à medida que cada palavra vem, um novo e melhor escritor se forme. Não teço este texto por desabafo; não o faço por sofreguidão. Tudo isso é introdução e você ainda não leu nada.
Por volta do quarto ano, 9 ou 10 anos de idade, suspeito que tenha sido a grande virada da minha vida - mudei do nada, Peguei gosto pela escrita numa redação solicitada pela professora de português. Escrevi, então, "a história da cobra que queria voar". Ganhei um dez e a teacher, ingênua que só, nem percebeu que tratava-se de um plágio flagrante. o enredo é velho, mas teci da minha forma e do meu jeito - há algum mérito. E nada como um dez, não? A perfeição suprema, o impecável. Juntando-se a esse caso, ganhei poucas notas dez ao longo destes anos de vivência; os cinco dedos da minha mão direita cumpriria o papel de contá-los. Nunca fui - e se não inventarem o remédio anti-erro em tempo de me verem curado - serei sempre este imperfeito incorrigível.
Sempre me pego olhando as pessoas a quem devo compartilhar o ar, dia após dia, no trabalho. Umas quase patéticas, bufonas de dar dó. Coloco sempre ênfase demasiada quando decido falar de trabalho e explico o porquê: não falo daquela coisa prazerosa, viver dá trabalho também, tudo dá trabalho. Mas o termo trabalho condiciona também o "bater cartão"; o "ligar pra lá’;a hora do almoço na ponta do cronômetro; a cultura da motivação, canalha por si só. Trabalho inventou uma doença: a frigidez. O homem, mesmo tendo próstata passou a ser frio. Assim, pensam, ele não erra. E a mulher que vejo agora, usando aqueles terninhos de brechó, tapou com rolha de cidra cereser a champagne francesa do sorriso. Ainda se fosse uma cara amarrada por protesto. Não é, te garanto. O ato de sorrir possui mil lados, muitos antagônicos. Pode tornar-se uma arma ironica, uma manifestação de desprezo. Desculpe, mas enquanto existir o capitalista, a gargalhada soberba se travestirá em arma.
Ninguém erra aqui no mundo dos loucos, apenas eu e tenho dito. O erro, o prazer de dizer "me desculpa", deixou de existir após completar meus 11 anos. Com dezessete, época em que comecei a trabalhar, aprendi que errar pode se tornar um auto-atentado de terror ou coisa que o valha. Outra coisa também: tornou-se frente aos meus olhos o mecanismo de coerção mais pussilânime , mais nazista que tive que enfrentar. Me entrego: não gosto mais de futebol - fui há tempos atrás um grande fanático -,porém, cabe comentar hoje de forma sóbria e relacionar o que digo aqui com o caso da expulsão do jogador Zidane na final da copa do mundo na Alemanha. Observe como um erro, no fim de seu último ato como futebolista, serviu para que todos esquecam do gênio que foi com a bola nos pés. O mundo só vê a mancha.
São quantas linhas mesmo? Disse quarenta, não? Sinto que irei extrapolar minha cota. Se bem que essa crônica do dia a dia está começando a transformar-se em memórias de uma vida toda. Gosto de revirar gavetas, inclusive as da minha cabeça. Me apegar a coisa velha, esquecida. Só que assim: tenho apenas vinte quilos alcatra por trás dos dentes; sou um jovem mancebo! Assim como Arnaldo Baptista perguntou um dia "será que vou virar bolor?", faço o mesmo, modificando um tantinho assim: será que eu já virei bolor? Me vem a cabeça aquela mulher do curso de inglês. Estava interessado em ter aulas de inglês - fui então para a escolinha mais próxima. Lá, ao ser consultado sobre minha idade, respondi, firme como um prego - vinte. Ela achou que eu tivesse mais- sei lá - uns trinta. Me senti o mais velho por trás daquela gravata - o mais velho do bairro.
Volto àquela professorinha, a Malú da quarta série que me brindou com um dez. Como queria crescer rápido; e andar de carro; e namorar às da sétima! Tinha em mim uma ânsia claustrofóbica, nem sei, era uma espécie de lagarta no casulo, saindo, saindo...Falando de sorriso, lembro do jeito da Malú: falava sorrindo de um modo todo ordinariozinho. Até para dar bronca. Era a mesma no começo e no fim do mês, (pergunto eu: será que menstruava?). Soube montar meu cartaz perante a classe, lembro bem das palavras – que texto lindo, Michell! Que engodo, isso sim!. Modifico minha descrição. Malú tinha um rasgo na cara, feito por Picasso em duas pinceladas. Mas era uma figura colorida, tal como num filme de Almodóvar.
E lá se vão nove anos, não? Logo, logo vem mais um ano a somar. Comemoro? Compro bombons?E você, merece meu bombom? O que me diz mesquinho! Avaro! Escreva na testa, “eu quero um bombom de Michell Niero”, assim eu darei. Afinal, faço vinte um na curva do mês que vem. E desde já engula teu desejo de felicidades,ou melhor, guarde embaixo da língua para dissolver aos poucos e morreres sofrendo. Mas não, não redundes mais, não requente no microondas o velho clichê.

E a tia lá da escolinha, será que ela menstruava mesmo?

sábado, julho 08, 2006

Homem de instante

Toma
Assume e corrige!
Não troca a conversa por tragos
Não mata o assunto nos goles
A morte não será amanhã
A vida, pode ser que talvez

Menino
Não julga a falha em negrito
Se em todas as fossas sozinhas
Um querer não parece ideal
Recusa!

Arruma
Esquece da música lenta
Esqueça de olhar só olheiras
O espelho lhe dá outras coisas, irmão
Não declina
não mece demais os sapatos
Nem julgue os outros do lado
É vida (e a vida engole os dias)

Vai possuído,
Nesse sono quebrado
Pra quê averiguas os fatos!
besteira!
Bobagem!
Enxuga esse trauma
A madrugada é um insulto deitado
Um pomar de mil mágoas
Decida se têm
Quatro anos ou cem
Homem de instante!

M.N

quarta-feira, julho 05, 2006

Trago boas e más notícias, Don


Voltei a cuidar de meus velhos trapos. Como preciso de um feriado! E de trapos novos! É tempo de olheiras, eu sei. De que forma, diz pra mim, qual é a solução para que eu, assalariado por necesidade, viva tão somente de arte, e pela arte? Besta é quem pensa nessa possibilidade. Acho que sou um bestalhão desses. Precisaria, para tanto, de um pai que me bancasse, de uma caixa forte no quintal dos fundos. Ou uma ama de leite, com muito leite. Não faz-se o caso. Trabalhar para explorar as potencialidades. Bobagem. Russeau levou uma vida para pensar nisso e olha só no que deu?. Em mim!
Aonde quero chegar? Simples: mesmo com tanta falácia bonita por entre os cantos, por mais que eu mostre ser mais - dia após dia -, concluo que a necessidade do dinheiro nesta vida biruta me faz sentir um pouco acima de um contínuo. O resto é ilusão, fetiche, confete. E não quero revolucionar, já te digo de início. Não sou de bagunçar o coreto. Nunca fui, oras.
Trago boas e más notícias, Don. As boas, são as de sempre. As piores, são as de hoje.


obs - O nome desta postagem é uma homenagem a um dos grandes grupos da cena paulista de rock dos anos 80: Akira S e as garotas que erraram. Refere-se ao nome de uma das grandes músicas do grupo, de nome homônimo.

segunda-feira, julho 03, 2006

Los Álamos: a reação química


Engraçado. Mesmo dado a uma paixão lasciva, panaca até, pela boa música (perdoa amor), veja só: quantas resenhas, quantos “o que estou ouvindo”, enfim, quantos odes aos bons sons desfacelei desde 20/06/2006, data de fundação desse blog maldito? Adoro ser maldito, sabes, porém respondo - não precisa pensar. Nada, niente, nothing, porcaria nenhuma.
Pois então vou eu, neste segundo dia de julho, cheio de pressa (falta pouco para a minha desgraçada volta os afazeres de uma área de faturamento...), escrever um pouco sobre essa banda de sotaque portenho. Jogam no ar muito reverb e delay; e quando decidem virar o disco, enfrentam uma sonoridade acústica que é um mistão roceiro de Kinks com Bob Dylan. Se jogasse o Los Álamos - banda da vez - no jogo de cartas, estes seriam os curingas do novo rock.
Fato foi: na matéria publicada na versão capenga da histórica revista Bizz de uns meses atrás, intitulada “vinte e seis coisas realmente interessantes do novo rock” (coisa do tipo, perdoa as aspas, mas a crítica não), os rapazes de lá já visionaram a esperteza deste grande blogger e citaram na frente deste que vos escreve os méritos do conjunto. São bons mesmo, e argentinos. Sim, a esperança da América latina.
No disco chamado “no se menciona la soga en la casa del ahorcado”, debut dos Alamos, vê-se claramente uma interferência de anos sessenta, visto parece, por um britânico bitolado dos anos 90.. E isso é bom, a jogada flui, pois veja só: na primeira faixa “asiento trasero”, me deparo com um Belle & Sebastian de “the boy with the arab strap” com vocais estupidamente gelados. Dá certo? Sim, funciona belissimamente. O vocalista lembra do passado, canta com frases curtas a criancice que passou; nome de música em espanhol com letra em inglês, que engraçado. A música cresce, as guitarras se cruzam e num momento sem aviso, a música cessa. A faixa 02 vem então, já com meu selo de aprovação estampado no rosto.
Coragem é ter um bandolinista, integrante oficial da banda nesses tempos de ploc, plocs modernos do chamado hype; são regressistas sabe, não procuram nada do que por ventura existiu um dia. O chacundum deles é outro; são primos tristes do The coral e irmãos sujos dos já citados Belle & Sebastian Mas têm estilo. Jogam baixo para arrecadar alto. Nunca tocarão numa pista de dança, presumo. Não nas de hoje Estão mais para um lounge cheio de feno.Será que os anos 90 voltaram a estar na moda? Sei não...
Eu adoro esses hermanos.


Saiba mais, dados idiotas e coisa que o valha, no sítio oficial deles:

http://www.lostalamos.com.ar/

sábado, julho 01, 2006

"Meu tempo é quando"
Vinícius de Moraes


Sobre a foto: tirada neste ano, num desses sub-mundos da Lapa. A Lapa pobre de Sp.

crônica nª2 - O homem estrambólico e a geladeira

Vinte passos tropeçados. A maior atração da vila corta a esquina para mais um destino indefinido. Andam pra lá e pra cá e não se decidem. O homem segura com braços rijos sua maior conquista Ele já se acostumou com a velha ferraria: é bela, descongelante e acende automaticamente - modelo antigo, mas atraente. Há tempos atrás tomou algumas esfoladas de um Fusca parado sobre a guia, um trauma daqueles para o dedicado homem estrambólico. Ele acha que às vezes sua companheira é um bocado frigida e tende para uma indiferença vil, justamente nos momentos em que o amor toma de ataque seu coraçãozinho. Mas isso ele vai levando. E tudo acaba bem quando, na volta do passeio, o motorzinho possante da geladeira volta a soltar suas faíscas no canto mais precioso da casa amarela. Um alivio.
Preciso confessar uma coisa. Sempre quando via o casal esticando as pernas achava-os bem cafonas para tempos tão túrgidos como esses. Mas eis ai a prova de que o amor rompe fronteiras e transgride. O homem enfermeiro da rua de baixo pensa na hipótese insensata e crê piamente que nosso amigo estrambólico sofre de alguma mal nos macaquinhos do sótão. Que bobagem, queria eu ter uma conversa franca e esclarecedora com esse equivoco vestido de branco. Ninguém mais precisa de médicos nesse bairro que esse louco aplicador de injeções à baixo custo. Defendo a união do casal, pois acredito que há algo muito maior por trás desse affair. Numa dessas espiadas pela janela, vi uma cena chocante que encheu meu coração de sentimentos tenros e aprazíveis. O dono da loja de bebidas não deixou-os entrar no estabelecimento dele. Motivo? Pouco importa, o que mais valeu foi a generosidade de nosso amigo que, importuno pela negativa ouvida, abriu mão de um bom trago matinal pela companhia maciça de sua companheira na praça cheia de pombas e raios UV. E ali ficaram, os dois parados, pensando na vida que os aguarda. E que vida será essa?
As segundas intenções não tardaram desde quando nosso rapaz estrambólico descobrira o real motivo da existência ao saborear mais um de seus picolés de menta. O sabor preferido dele, por sinal. Era assim, na tarde quase caindo e no sereno quase chegando, que ele se divertia. Caçava escabrosamente alguma gripe espanhola naqueles 20 centímetros de massa verde e fria. Era um hábito, vale-se dizer, e ao término de seu acepipe, conduzia o rostinho tristonho para sua casa amarela. Lá, ligava a TV, só por esporte, e se acaba ali pelo sofá mesmo. Os quadros do quarto/sala eram achados e disso ele se gabava muito. Haviam ali verdadeiras preciosidades que receberam prêmios de curadores e museólogos de todo o mundo mas que, após uma entre safra de tendências artísticas, ganharam a marginalidade dos becos sujos da minha vila. O desenho abóbora era o mais interessante. Uma abóbora, laranja e grande. Uma abóbora.
Foi numa dessas buscas pelos entulhos valiosos da cidade que apareceu a sua Monalisa. Tinha um metro e cinqüenta e dois de altura, quarenta e nove imãs decorativos e um corpanzil de trancar avenida . Sua dona a magoou profundamente por uma troca repentina, por outra horizontal e com vidro mostrador na porta. Estava na completa sargeta e nosso rapaz estrambólico trouxe a ela novamente os prazeres da vida novamente.
Mas voltando ao picolé. De principio havia apenas uma relação servil entre os dois. Um “pede que eu faço” sem qualquer afetividade. Demoraram cerca de 46 picolés baratos de menta para a ficha cair. A geladeira, recém instaurada a sociedade, era o armazém desses alimentos de baixo valor mercadológico, tão visados pelo nosso personagem. As gripes espanholas nunca vieram, os descongestionantes nasais comprados jamais foram usados; o estalo apareceu quando, numa dessas fúrias corriqueiras no terreno cheio de lixo, percebera que sua vida devia ter algum sentido e que, se ele hoje está vivo nesse frio de outono, muito se deve a sua geladeira amiga. Afinal de contas, se não fosse pela falta de interesse por parte dela, pela manutenção da temperatura dos picolés verdes, hoje não haveria história a ser contada. O homem estrambólico vive graças a inutilidade de sua companheira.
E isso é amor!