segunda-feira, abril 09, 2007

crônica nº 08 - Exército de urtigões.

Sempre preferi ficar na condição de espectador diante da vitrine. A festa dos boçais, dos ignorantes acéfalos, do sujeito que se suja por poder, dos industriários descendentes das capitanias, nunca incomodou esse meu pessimismo incurável. Apesar da descrença nunca arredei pé da reflexão, só que agora prefiro me render à conclusão mais primária: tudo vira bosta, ou já se tornou.
Num desses dias de inquietude movida pela cafeína que fervia no sangue, resolvi enfiar o pé no vidro e encarar os problemas com a faca nos dentes. Assumi o bandeirão e fui à luta.
Coloquei-me à disposição de um 3º semestre de jornalismo, gente que teve durante o curso aulas de Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia, o suficiente para reconhecerem a importância da alteridade, de ser um sujeito ético, da liberdade de expressão, da prudência para o exercício da profissão. Nada mal e me parece um começo para quem realmente quer enfrentar diariamente os problemas da comunicação social.
Uma pequena maioria me elegeu naquela quinta-feira, gente inquieta como eu e descontente com as desfeitas causadas pela coordenadoria do curso . Escolheram como representante um rapaz sem muitos amigos, reservado e respeitoso em sua conduta, teimoso, de humor oscilante e , acima de tudo, obsessivo em qualquer desafio que topa . Puseram à frente de 60 pessoas um sujeito inseguro nos três primeiros minutos de discurso mas que não quis parar de falar após o quarto. E a acústica promovida pela minha fala, meio grave e anasalada, e os argumentos desenhados pelas mãos cheias de gestos, cerrou minhas sobrancelhas cheias de pelo.
Toda essa fachada descrita não é personagem - este sou eu. Talvez, lá pra frente, isso tudo seja motivo para uma análise junto a algum psicólogo ou coisa que o valha ou talvez de uma cirurgia no septo nasal, para melhorar minha dicção. Assim como o Gugu fez, aquele do PCC.
Mostrei as propostas, organizei os argumentos, demonstrei a importância da democracia participativa. Minha consciência, hoje, não pesa uma bala. Incitei à classe a uma mobilização ética e necessária a favor de nosso bem-estar.
Vigorei na função durante umas três semanas, suficiente para entender que todos já se conformaram com as cartas que estão na mesa. Vi-me em o Povo contra Larry Flint; na pele de Nelson Rodrigues encenando Vestido de Noiva para os velhinhos do TFP tradição, família e propriedade); me vi apresentando um sambinha com fuzz guitar para a turma da bossa, lá de Ipanema, em 1968. Fiquei 21 dias, mais ou menos, dando crédito às virtudes humanas. Beijei o bonde.
O que ficou de tudo isso é essa capacidade do homem em destruir o desejo alheio por mudança. .A vontade coletiva é se conformar em não ter mais vontade. Esse foi o caso. Acreditei numa multidão de abutres que só esperavam o primeiro motivo para atacar a carne. Fui destruído em cima do palco.
Mesmo dizendo a eles que a Terra não girava em torno do Sol e que tudo o que fiz era bobagem sem tamanho - coisa que não era -, mesmo assim a inquisição aconteceu, pois aí sobraram as birras pessoais como pretexto. Daqui da fogueira tudo me dá nojo e nem Galileu me entenderia.
Criticar negativamente o indivíduo que toma a iniciativa, que vai para o ''risca faca'' em prol de um todo e que erra por tentar acertar parece ser mais vantajoso que discutir a importância de um trabalho em grupo, cuja tônica deveria ser a colaboração de ambos os lados e não a difamação preconceituosa de um trabalho. Há uma inversão de valores clara nisso tudo - todos se sentem bem no estado de sítio, atiram pedras naqueles que não concordam em estar na zona de conforto e ruminam a calúnia com a facilidade de quem masca um Babaloo.
Pois é, meus amigos e minhas amigas, estou fadado a ser mais um maldito no jornalismo brasileiro. E olha que eu vejo isso de um modo bastante interessante. Como diria Nelson Rodrigues, mais uma vez o cito, ''a estrela está no céu, quem não vê, não vê.Mas ela sempre estará no céu''. Os malditos geralmente têm biografias muito mais interessantes.
Então eu faço o seguinte: se os hóspedes querem banana, eu ofereço a eles um cacho A humanidade se revela a cada dia , e por mais que tente ser otimista, acabo me deparando sempre com um grande exército de urtigões da Disney, que matam à carabina qualquer um que se aproxime com boas intenções. Nem sempre é um homem branco oferecendo espelhinho pro índio, mas esse complexo de vira-lata (mais uma vez Nelson Rodrigues) que vem lá do descobrimento, ficou mesmo arraigado na cultura de muitos brasileiros. E podem ter certeza, os industriários herdeiros das capitanias do tempo de Dom Pedro continuam amando muito isso.

2 comentários:

Anônimo disse...

caramba Michell, desabafou mesmo... Bom acho que sua decepção foi maior do que eu havia imaginado, de qualquer forma vale a experiência, mas não ache que essa birrice só acontece em nossa sala por que não é, lá fora o monstro pode ser pior ainda.
Além do mais, queira ou não queira você continua sendo representante, primeiro porque não foi oficial a desistituição, segundo por que não houve novas eleições. Quer saber, ainda acho que deve tentar de novo.

Um abraço!

Cassiano

Anônimo disse...

Michell,
Faz tempo que não passava por aqui, mas de vez em quando apareço. Achei forte o que disse sobre a representação na sala, especialmente por saber que você é um cara ponderado, sem exageros e extravagâncias. O fato é que aprendi com as coisas que disse, não tenho muita experiência também e estando pela segunda vez envolvido com os assuntos da sala percebo a dimensão que isso tem e entendo agora com mais clareza sua atitude no episódio.
Espero evoluir e sei que pode ajudar, e se quiser estou ai pra gente discutir sobre isso.
Um abraço, Cassiano.