terça-feira, junho 27, 2006

Tauromaquia



















Neste filme de Almodóvar (1986 foi um ano fácil para ele), o sexo, a tourada e a morte. Entrelaços atuantes que se unem a Madrid – a sempre Madrid de seus filmes –, e a um surpreendente Antonio Banderas em início de carreira. Matador é um dos melhores filmes do cineasta - na opinião deste que escreve, o melhor. Além de ter todas as marcas Almodovorianas; batom vermelho, muito vermelho, gente vivendo pelos passos do dia-a-dia, destinos que se encontram, a velha - sempre nova - birra com a igreja católica, a busca pela sensibilidade masculina, Matador consegue ser isso e mais um pouco.
A obra precede o boom em “mulheres a beira de um ataque de nervos”, de 1988, cine que o levou para os holofotes. Este, no entanto, procura uma pretensão de filme inglês, fala mais baixinho que os de hoje. E funciona, porque não. É meio suspense, trama fragmentada como sempre são os filmes dele; um junta aqui, coloca ali.
Angel, um aprendiz na arte de tourear e integrante de uma conservadora família católica, é acusado pela morte precedida por estupro de quatro mulheres. Pior é: ele confessa e diz “fui eu”. Houve sim um motivo. Ele de fato tenta estuprar a mulher de seu professor, numa suposta tentativa de auto-afirmação de sua masculinidade em xeque. Entre ser levado a uma psicóloga (vontade de Angel) e recorrer à ajuda de um padre, a família fica com a segunda. Eis aí o primeiro mote que cerceia o destino da personagem. O jovem toureador sente um remorso trágico ao deparar-se com a frieza do padre e se entrega à delegacia mais próxima.
Aparece uma advogada, bem intencionada parece, predispondo a defendê-lo neste processo. Ocorre o primeiro encontro casual (mais para causal, assista e comprove) em Matador. Do outro lado está o professor de Angel, famoso na arte da Tauromaquia, chamado Diego. Numa dessas, encontra a advogada – Maria é o nome dela. Um tórrido caso de paixão floresce. O fascínio pela morte, comum entre ambos, mistura-se com o torpe desejo pelo sexo. O amor, do outro lado, abraça-se na figura da traída. Não ligando para o ato, a esposa de Diego tenta de todas as formas a reconquista, mesmo sabendo da existência de uma outra na sua vida.
Curiosa é a participação do próprio cineasta atuando. Ele faz uma ponta inédita assumindo um estilista, cheio de recalques, cuidando da produção do desfile da mulher traída, que é modelo de profissão.
Entenda Matador como um Almodóvar que procura dilacerar todas as influências da pátria mãe. Busca acenar para conexões censuradas dentro da cultura espanhola: Tourada, paixão, sexo e morte. Em contrapartida, traz também o eco conservador que domina este povo. Tal como um Nelson Rodrigues – aliás, se pode fazer muitas conexões entre as obras dos dois -, recorre a família conservadora, guiada pela religião. Busca nisso a derradeira verdade: a burra aparência. E por fim, a figuração do machismo latino, aquele machismo que ataca o próprio homem em busca de identidade. O sensível e o cru; o branco e o vermelho; o amor e a morte, visto ao mesmo tempo às vezes. Pedro Almodóvar fez de Matador um dicionário deliciosamente paradoxal. Pois é, seja assim: porque devemos ser tão fáceis de entender, afinal?


Assistido no dia 24/06 do ano de 2006

Um comentário:

Fernando Niero disse...

como assim ninguem comentou? o texto tá foda